Vou dividir uma angústia com você.
Ninguém sabe bem o que define algo engraçado, o humor é um terreno muito peculiar. O programa Choque de Cultura pareceu estranho para mim à primeira vista, entre momentos de nada para fazer eu me deparava com as recomendações automáticas do Youtube, com toda sua análise algorítmica do meu perfil e a análise do histórico de meus cliques.
Como muitas primeiras experiências nessa vida, o primeiro episódio assistido me causou certo desconforto, apesar de pouco complexo, me exigiram análise dos personagens, que se autodenominavam “maiores nomes do transporte alternativo”. Pô, o que pretendem com essa denominação?
Passados mais episódios consumidos pelo ócio do meu tempo, após entender a ideia do humor, não consegui conter algumas risadas pelo tom insano de comentários improváveis em qualquer outra plataforma humorística, e em pouco tempo eu já estava inserido no “universo” dos quatro personagens.
Rogerinho, Maurílio, Julinho e Renan, quatro retardados personagens e nada mais, que apresentam um programa sobre “cultura” e lá comentam sobre cinema, fundamentalmente.
Vamos direto ao ponto, o que me chamou muito a atenção. A ideia é desconstruir todo o garbo que pode existir num programa, site, blog, ou qualquer outra mídia, que se proponha a analisar de forma “séria” e “embasada” qualquer tipo de produto. A ideia mais brilhante do Choque de Cultura é desconstruir tudo isso de forma muito simples, inserindo quatro personagens com arquétipos reconhecidos como “pouco providos de cultura artística”, como qualquer um diria sobre aqueles que são motoristas de van, e a partir daí eles possuem um terreno gigantesco para falar besteiras em tom sério, como se tudo fosse de fato muito real.
Em outra camada, podemos facilmente entender que seus comentários são críticas à tanta gente que se denomina especialista em algo, mas que na verdade não domina o conteúdo e permite que outras pessoas ouçam ou leiam besteiras sem tamanho. Aqui no programa entendemos que é uma piada, mas subindo um nível podemos perceber que essa prática está muito presente em tempos de internet, todo mundo entende de cinema, série, literatura, música, política, e qualquer outro assunto com domínio profundo, e o resultado é o que todos vemos em debates calorosos e enriquecedores por aí.
O resultado é um programa nonsense, cheio de piadas internas, uma abrangência muito maior para o absurdo fazer sentido, nem que seja somente para aqueles personagens. O fato é que os personagens não querem nos fazer rir, por isso um dos pontos curiosos é que eles jamais riem entre si, pois nenhum comentário entre eles é encarado como piada, partem do princípio de que as opiniões de cada um são “embasadas e criteriosas”.
Um prato cheio do lado de cá, para quem assiste tanto comentário absurdo sobre os filmes que eles se propõem a analisar. Quem conhece um pouco de cinema, logo pega o humor negro e mais ácido do programa, como por exemplo as incontáveis reverências a Transformers e Velozes e Furiosos como as melhores franquias de filmes já feitas, ou então entendendo que cinema nada tem a ver com som ou figurino, ou então enaltecendo a grandiosa performance de Vin Diesel e The Rock, seus grandes ídolos.
Falo com tranquilidade.
Após assistir todo o conteúdo, comecei a reparar que algumas coisas faziam sentido para eu gostar do resultado do programa. Me identifico com a proposital falta de produção, tudo parece muito feio e mal feito, estúdio com pano preto ao fundo, apresentador que não comanda bem o programa, personagens que não falam nada direito, figurino altamente apropriado para uma festa brega anos oitenta.
Entendi também que aqueles eram nada menos do que roteiristas do programa Larica Total, que inclusive já foi comentado aqui no blog. A similaridade entre eles é clara, o humor muito parecido, e quem gosta de um produto, facilmente gostará de outro.
Não sei qual o seu perfil de humor, mas se eu pudesse deixar minha indicação à você, seria esta. Podes sentir algo estranho no começo, não entender a besteira toda, mas se as piadas fizerem sentido para você, será uma descoberta muito agradável. Talvez o leitor já os conheça, pois no ~mundo nerd~ os caras são a última sensação, mas deixo meu registro para os caras, afinal particularmente não é de qualquer coisa que eu saio rindo por aí, e quando percebo que me conquistaram de vez, me sinto obrigado a repassar a bola adiante.
Fica a dica forte.
NOTA 9.0/10
Ficha técnica:
País: Brasil
Canal: TV Quase
Ano: 2017-
Atores: Caito Mainier, Raul Chequer, Leandro Ramos e Daniel Furlan.
Diretor: Fernando Fraiha
Duração: ~7min
Marco Miranda: É cinéfilo para si e nerd para os outros. Descobriu que o cinema era mais que entretenimento, e desde 2005 passou a colecionar filmes e se envolver sobre a sétima arte. A partir de 2010 uniu o cinema com seu gosto por escrever. Percebeu que entre uma partida de tênis e outra, podia ler, ouvir, assistir falar baboseiras. Graduado em Administração, tem o cinema como uma oportunidade de aliar algumas percepções técnicas e objetivas com um pouco de filosofia interpretativa. Acha que filme antigo é só até os anos 40. Ainda assim, adora um horror, do melhor ao pior, e aprecia filmes independentes e B, com a liberdade de expressão que ele mesmo acha que tem.